Suprema Corte pauta julgamento que pode descriminalizar usuário de drogas, enquanto Congresso avança para mudar a constituição no sentido oposto

O cenário político (Congresso Nacional) e jurídico brasileiro (Supremo Tribunal Federal) está vivenciando um embate significativo em torno da criminalização do porte de drogas, mais especificamente da maconha, para consumo próprio no país.

O conflito se manifesta através da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2023 – que visa criminalizar a posse e o porte de qualquer quantidade de drogas no país – e a continuidade do julgamento, que analisa se o artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006) – que criminaliza o usuário de substância ilícitas – é inconstitucional.

Julgamento será retomado

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, agendou a continuação do julgamento para essa quinta-feira, 20 de junho. Apresentado há 12 anos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o julgamento foi interrompido após o pedido de vistas do ministro do STF, Dias Toffoli, no dia 6 de março.

O caso em questão diz respeito ao Recurso Extraordinário nº 635.659 que questiona se o artigo 28 da Lei de Drogas fere direitos constitucionais como privacidade, intimidade e à vida privada. Por ser de repercussão geral, a decisão do STF deverá ser seguida por os tribunais do país após a conclusão do processo.

Placar favorável à descriminalização

Até agora, dos 11 ministros que compõe a Corte, cinco já votaram pela descriminalização do porte de maconha – apenas – para uso pessoal.  Além do relator, ministro Gilmar Mendes, votaram pela descriminalização, os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

Foram contrários à descriminalização, os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.

O recém empossado ministro, Flávio Dino, não vai deliberar sobre o assunto porque entrou no lugar da Ministra Rosa Weber, que já votou sobre a questão.

A um voto de formar maioria no STF

A um voto de formar maioria no STF, a PEC 45/2023 avança no Congresso. No Senado Federal, o texto que muda a constituição, tramitou com rapidez e foi aprovado com ampla vantagem.

No primeiro turno foram 53 votos a 9. Na segunda votação em plenário, totalizaram 52 votos favoráveis e 9 contrários.

Na Câmara dos Deputados PEC avança

Na Câmara dos Deputados o ritmo segue o mesmo. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados a constitucionalidade da PEC foi aprovada por 47 votos a favor e 17 contrários.

A PEC, que adiciona um inciso ao artigo 5º da Constituição tornando crime a posse e o porte de qualquer quantidade de drogas sem autorização legal, ainda precisa passar por uma Comissão Especial e pelo plenário com aprovação em dois turnos com 3/5 dos votos favoráveis.

“Usuário não é coitadinho”

Para o relator do texto na CCJ, o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), usuário de substâncias proibidas não é “coitadinho”, ele fomenta o crime de tráfico e, portanto, tem que responder como criminoso na prisão, assim como já acontece com o receptor de carga roubada, defendeu o parlamentar.

Embate entre poderes

A divergência entre as decisões do Congresso e do STF destaca um conflito latente entre os dois poderes. Enquanto o STF inclina-se para a descriminalização do porte de maconha, visando uma abordagem mais voltada para saúde pública e descriminalização, o Congresso, através da PEC 45/2023, busca reafirmar uma política de criminalização e encarceramento em massa.

Este embate reflete a polarização existente sobre a política de drogas no Brasil. A PEC 45/2023 é vista como uma resposta do Congresso ao STF, que é acusado de legislar sobre um tema que está sendo discutido judicialmente, a partir de uma ação da Defensoria Pública de São Paulo.

Por outro lado, organismo internacionais já têm se posicionado contra a mudança na constituição brasileira.

Entidade internacionais: retrocesso

A Human Rights Watch (HRW), por exemplo, considerou a PEC um retrocesso. Para esse organismo, a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal, com a implementação de políticas de saúde são mais eficazes do que a chamada guerra às drogas, que afeta principalmente os mais vulneráveis e marginalizados na sociedade.

O que dizem os especialistas?

De acordo com o Daniel Biral, fundador da entidade Advogados Sem Fronteiras, leis  inconstitucionais podem entrar em vigor e serem questionadas em casos concretos ou por entidades previstas na Lei Maior, como partidos políticos.

“Sempre quem tem a palavra final sobre a constitucionalidade de qualquer lei no país é sempre do STF. Todos os remédios constitucionais, a última palavra é sempre do STF. É ele que sempre julga qualquer questão, seja matéria formal ou de conteúdo, relativa à constituição federal. É a última instância do país que defere ou não indefere uma lei”, explica Biral.

Na visão do professor de direito, Cristiano Maronna, Fundador da Plataforma Justa, ainda que a PEC 45 seja aprovada, o STF deve prosseguir a análise sobre a constitucionalidade do 28 da Lei de Drogas. “Posteriormente, deve também declarar inconstitucional a PEC, como fez a Corte Suprema da Colômbia”, lembra o jurista.

Impacto na sociedade

O desfecho dessa disputa entre o Congresso e o STF terá implicações profundas para a política de drogas no Brasil. A decisão do STF sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio e a eventual aprovação da PEC 45/2023 pelo Congresso delinearão os rumos das políticas públicas sobre drogas no país, influenciando tanto o sistema judiciário quanto a saúde pública.

Drogas, quanto custa proibir?

O projeto ‘Drogas: Quanto Custa Proibir’, coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, revela os impactos orçamentários para implementar a política de combate às substâncias ilícitas no Brasil.

De acordo com o levantamento, em apenas um ano os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo gastaram R$5.2 bilhões com Polícia Militar, Polícia Civil, Sistema Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público, Sistema Penitenciário e Sistema Socioeducativo para implementar a Lei de Drogas.

Outros números

Em 2019, a polícia brasileira matou mais de 6.300 pessoas, segundo o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. Entre os mortos, 79% eram negros.

Atualmente, 32% dos crimes cometidos estão relacionados à Lei de Drogas. A mudança legislativa promoveu uma explosão no número de prisões. Entre 2000 e 2020, a população carcerária cresceu 226%.

 

 

 

 

 

Published On: Junho 19th, 2024 / Categories: Notícias / Tags: /