Superior Tribunal de Justiça fará audiência pública para ouvir entidades e pessoas que possam contribuir com o julgamento final de mérito pela corte sobre o cultivo de cânhamo para fins industriais
A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Regina Helena Costa, determinou abertura audiência pública para ouvir manifestações de pessoas ou entidades com experiência e conhecimento em cânhamo, uma cepa da Cannabis que não contém psicoatividade.
A audiência já está marcada para o dia 25/04/2024, às 10h00, no STJ e está aberta para inscrições de pessoas físicas ou jurídicas, entidades ou órgãos públicos que possam acrescentar no debate.
Inscrições abertas até 11/03/2024
As inscrições vão até o dia 11/03/2024. Quem se interessar deve encaminhar o pedido, exclusivamente, por meio eletrônico para o e-mail stj.iac16@stj.jus.br. É por esse endereço que o órgão vai se comunicar com os interessados.
Essa abertura para colher mais informações acerca da Cannabis é importante, porque o julgamento do STJ pode definir o futuro do cultivo do cânhamo no país – para fins industriais – como explica o advogado da causa, Arthur Ferrari Arsuffi.
Decisão valerá para todo o país
“O que o STJ decidir vai valer para o país todo. De uma maneira muito adequada, a relatora da ação havia solicitado que quem tivesse interesse no tema se manifestasse e a participação de ‘amicus curiae’ (amigo da corte). A agora abriu uma audiência pública muito importante em que todos aqueles que podem contribuir, de algum modo com a formação da decisão dela, serão ouvidos”, diz Arsuffi.
Relembre o caso
Em março do ano passado, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, admitiu o chamado Incidente de Assunção de Competência.
Isso significa dizer, de forma simples, que a palavra final sobre Autorização Sanitária para importação e cultivo de Cannabis com baixos índices de Tetrahidrocanabinol ou THC – a principal molécula psicoativa da planta – será do STJ, a segunda maior corte do país.
Acaba com as decisões diferentes
O instrumento serve para pacificar decisões de grande repercussão e é utilizado para evitar que a justiça de primeiro e segundo graus tomem decisões distintas sobre o mesmo assunto em diferentes instâncias.
Por isso, a ação é de repercussão geral, ou seja, a decisão do STJ terá de ser seguida por todos os tribunais do país,
A ação não trata da descriminalização da maconha
Na ocasião, a ministra Regina Helena Costa, justificou que o julgamento do STJ não trata sobre a descriminalização da maconha. Uma vez que o processo em questão, diz respeito ao do cultivo do chamado cânhamo, uma variedade da Cannabis incapaz de proporcionar o uso adulto ou recreativo da maconha.
No voto da ministra há indicativos que como será a decisão final da relatora da ação.
“Não é possível impedir a Recorrente de exercer atividade econômica relativa à industrialização de subprodutos de variedade de Cannabis cujo cultivo não permite a produção de entorpecentes, sendo viável a exploração de outras substâncias extraídas do plantio de Hemp, especialmente o Canabidiol (CBD), para usos preponderantemente medicinais”, defendeu a ministra no voto.
Ações suspensas em todo país há um ano
A expectativa é grande quanto a retomada do julgado paralisado há quase um ano. Ao decidir pelo Incidente de Assunção de Competência, o STJ suspendeu a tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, sobre cultivo de Cannabis com baixos teores de THC em solo brasileiro.
A corte também determinou que todos os Presidentes dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e da Turma Nacional de Uniformização fossem notificados para tomar ciência na decisão e paralisassem os processos.
Os órgãos devem se manifestar
E ainda mandou oficiar a Secretaria Nacional Antidrogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (SENAD), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para conhecimento de causa.
Para completar, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa (SBEC) e as principais Universidades Federais do país também notificados para que se manifestem e enviem representantes para a audiência pública.
Entenda melhor
A ação foi movida pela DNA Soluções em Biotecnologia em 2019 em busca autorização para importar sementes de hemp ou cânhamo industrial para o cultivo de plantas que produzam concentração de THC inferior a 0,3%, sem propriedades psicoativas e sem efeitos miméticos que alteram a percepção de espaço e tempo, por exemplo.
No recurso, a empresa argumentou que já há normatização para a entrada e comercialização da Cannabis no Brasil por meio de Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC 660 e 327) da Anvisa.
Argumentou ainda que a importação da matéria-prima onera a produção de medicamentos, a exemplo de fármacos para o tratamento de doenças como epilepsia e esquizofrenia, para citar alguns casos.
Lei de Drogas diz que Ministério da Saúde pode regulamentar
A defesa da DNA Soluções em Biotecnologia sustentou ainda que o art. 2º, parágrafo único, da Lei de Drogas (11.343/2006) dá prerrogativas à União, por meio do Ministério da Saúde, de autorizar, para fins medicinais ou científicos, o plantio, a cultura e a colheita de vegetais dos quais seja possível extrair substâncias psicoativas – dentre elas o THC.
Omissão do Executivo
“Dispositivo ainda não regulamentado pelo Poder Executivo, cuja omissão vem obstando o cultivo de cânhamo industrial e o desenvolvimento de mercados voltados à comercialização de subprodutos da Cannabis”, argumenta a defesa da empresa na ação.
Caso a decisão do STJ seja favorável ao cultivo do cânhamo no pais, especialistas afirmam que o novo entendimento pode revolucionar a economia verde brasileira gerando emprego, renda e conhecimento a partir de um insumo sustentável.
Equilíbrio entre as partes
Para o advogado Cristiano Maronna, diretor da plataforma Justa, é importante que haja um equilíbrio entre as partes que vão falar na audiência pública.
“Os proibicionistas que tentam diferenciar a maconha droga do CBD remédio acabam tendo preponderância. Importante ficar atento às definições dos nomes para ver se haverá equilíbrio entre os campos em disputa”, analisa.
Na avaliação do jurista, a judicialização das ações relativas ao cultivo da Cannabis no Brasil é reflexo da omissão dolosa do Congresso Nacional e do Executivo que se eximem de tratar o assunto de forma técnica para produção industrial, terapêutica e até para uso adulto.
Publicado originalmente no Portal Cannabis & Saúde no dia 27/02/2024