Universidade Federal de Viçosa está a um passo de criar o primeiro banco de germoplasma (sementes) de Cannabis do Brasil
Imagine poder catalogar e estudar cinco mil espécies distintas de sementes de Cannabis e armazenar essas genéticas para promover o melhoramento das cepas, de acordo com o objetivo de produção de cada uma delas?
Sim, dentro do universo de variedades da Cannabis, cada cepa pode ser utilizada para um fim industrial diferente: produção de medicamento, produção de fibras, tijolos, desenvolvimento de bioplástico e papel, produção de alimentos não psicoativos e assim por diante.
Esse tipo de tecnologia já é utilizada no Brasil para acompanhar a evolução e o melhoramento genético de diversas culturas como a soja e as hortaliças, por exemplo.
Nos países onde a Cannabis já é regulamentada, os chamados bancos de germoplasma, ou bancos de sementes – que são unidades conservadoras de material genético – já estão incorporados à cadeia produtiva da planta.
O que é germoplasma?
Germoplasma, nada mais é, do que o material genético de uma espécie que pode ser transmitido sexualmente ou clonalmente (por estaquia ou cultura de tecidos in vitro) de uma geração para outra.
Este material genético, ou DNA, é encontrado na espécie Cannabis sativa L. em variedades de polinização aberta; em cultivares híbridos ou em cultivares clonais.
No Brasil, mesmo com uma legislação que criminaliza o cultivo da erva no país, a criação do primeiro banco de germoplasma de Cannabis está a um passo de se concretizar.
Parceria público-privada
Uma parceria público-privada firmada entre a Universidade Federal de Viscosa (UFV/MG) e a empresa CannaBreed Technology Brasil só aguarda a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para dar início a coleção.
De um lado, a CannaBreed entra com recursos, e de outro, a UFV cede a estrutura da instituição e o konw-how para pesquisa.
A área 3 mil m², que vai abrigar o banco de sementes, já está praticamente pronta. No espaço haverá seis casas de vegetação numa construção de 1.500 m², cercada por alambrado e sistema de monitoramento para garantir a segurança do cultivo por 24 horas.
Investimento ultrapassa R$ 1 milhão
“O projeto passa de R$ 1 milhão. A UFV está fornecendo técnicos, espaço e o projeto é institucional. Tudo que está sendo construído no local será doado para a UFV”, detalha Renato Tonini, CEO da CannaBreed.
O banco ativo de germoplasma de Cannabis da UFV será composto por uma coleção de variedades da espécie Cannabis Sativa L., armazenada em infraestrutura apropriada para fins de conservação, pesquisas científicas e desenvolvimento tecnológico.
O projeto é liderado pelo agrônomo e professor da UFV, Derly José Henriques da Silva, que já desenvolveu outras pesquisas relacionadas ao mapeamento genético da semente da Cannabis.
5 mil sementes
“Pedimos para armazenar e estudar 5 mil sementes com o objetivo de conseguir autorização para 3 mil. No primeiro projeto que trabalhei com Cannabis, estudamos 100 cepas e foi muito pouco”, releva o professor Derly.
De acordo com o agrônomo, a Anvisa já entrou em contato para questionar se o projeto envolve células vivas e se haverá cultura em tubo de ensaio e desenvolvimento de tecidos.
“Respondemos com a assinatura do reitor da UFV que sim, vamos trabalhar com sementes, que são células vivas. E disse que não vamos realizar cultura in vitro e nem produção têxtil”, explica.
Aptos a votar
As respostas atenderam às demandas da Anvisa que, ao que tudo indica, está apta a votar. “O que falta é o processo entrar na pauta de votação da Diretoria Colegiada da Agência Reguladora. Estamos prontos para começar, só falta o aval da Anvisa. Em caso de negativa, vamos acionar o meio judicial para garantir o direito à pesquisa”, adianta Derly.
20 objetivos
Tonini, que é biólogo e doutor em genética, diz que o projeto engloba 20 objetivos. Para além da armazenagem e catalogação, o programa se compromete a gerenciar o banco de germoplasma como um bem público, de amplo acesso aos mais diversos setores da sociedade.
“Vamos caracterizar, documentar e identificar toda a coleção do germoplasma, através dos dados de passaporte gerenciados por um sistema eletrônico. A ideia é para garantir a rastreabilidade de todo o processo”, diz Renato.
Protocolos de boas práticas
Segundo o biólogo, a proposta está alinhada aos protocolos de boas práticas e qualidade internacionais. Isso significa dizer que as amostras serão adquiridas em conformidade com regulamentações nacionais e internacionais, seguindo os protocolos fitossanitários, as leis de quarentena e de acesso a recursos genéticos.
“Vamos tomar todos os cuidados e implementar procedimentos de administração para prevenir, monitorar e impedir ocorrências que possam comprometer a biossegurança do país”, assegura Tonini.
Políticas Públicas
O objetivo final da criação do banco de germoplasma é contribuir para a definição de políticas públicas e estratégias deem suporte à cadeia produtiva nacional quando o cultivo em solo brasileiro for regulamentado, explica o professor Derly.
“Proibir o estudo e uso da Cannabis por conta do THC é o mesmo que proibir a utilização dos oceanos por causa da qualidade da água da Baia de Guanabara no Rio de Janeiro. Precisamos avançar”, alerta o agrônomo.
Braço empresarial e social
Os empreendedores afirmam que o projeto possui dois braços: um empresarial e um social. “A parte empresarial envolve proteção de royalties. Já a parte social, que não envolve mercado, permite que possamos trabalhar com associações e cultivares de pacientes, por exemplo”, detalha Tonini.
O empresário explica que a parte industrial é protegida por contrato. “Alguns acessos ao banco serão abertos. Outros, onde haverá melhoramento genético, a regra é sigilo. Mas tudo com transparência”.
Sementes importadas e já produzidas no Brasil
Assim que a Anvisa ou a justiça autorizar, as sementes serão importadas de bancos de germoplasma certificados, e de cultivos que já acontecem em solo nacional, por meio de associações e ou de pacientes que têm o direito de cultivo, afirma Tonini.
O banco também poderá receber doações de sementes de forma anônima, diz o biólogo.
“Faremos a multiplicação do material para não perder a genética. Anualmente, haverá testes de germinação com as sementes para avaliar a capacidade germinativa. Quando percebemos que a germinação está baixa, aí geramos mais sementes para a manutenção do banco”.
De acordo com o especialista, as sementes de Cannabis podem ser mantidas em câmara fria, com capacidade de germinação, entre 2 e 5 anos. “As empresas de fora querem testar suas sementes no Brasil, é um mercado enorme”.
A Lei de Proteção de Cultivares – LPC (Lei 9.456/1997), reconhece o direito de propriedade dos novos cultivares vegetais desenvolvidos pelos programas de melhoramento genético.
Para isso é realizado o teste DHE
– Distinguibilidade: que observa a característica morfológica, fisiológica, bioquímica ou molecular da planta.
– Homogeinidade: analisa a capacidade de transmissão da característica de forma homogênea em todas as plantas.
– Estabilidade: que é a capacidade de transmitir a característica diferenciadora de forma estável ao longo das gerações.
“Esse teste é muito conhecido no Ministério de Agricultura para registro de cultivos. A Cannabis é uma planta desconhecida no Brasil. Não há publicações. Registros assim trazem legitimidade para o processo”, explica o CEO da CannaBreed.
Para o líder do projeto, professor Derly, a finalidade do banco de germoplasma é ofertar no futuro genéticas de plantas para resolver os principais problemas de sustentabilidade do planeta com um novo commodity que será a ‘Cannabis Brasil’.
“Nós estaremos prontos para quando esse futuro chegar”, projeta o professor.
Reportagem publicada no portal Cannabis & Saúde:
Banco de germoplasma de Cannabis no Brasil (cannabisesaude.com.br)