Start up Hempower aposta na regulamentação do cultivo do cânhamo para a produção de hempcrete – tijolos feitos com a fibra da Cannabis
A cadeia produtiva da indústria da construção civil é uma das que mais impactam negativamente o meio ambiente, seja na forma de emissão de gases de efeito estufa ou na geração de detritos.
De acordo com dados do Ministério das Cidades, de 51% a 70% dos resíduos sólidos urbanos gerados no país vêm do setor da construção civil e da demolição.
Por isso, como forma de reduzir os impactos negativos dessa indústria, a Engenharia e a Arquitetura estão em busca de insumos sustentáveis, com menor potencial agressão ao meio ambiente.
Tendência global
Nesse sentido, o uso de materiais cultiváveis na construção civil é tendência e ganha adeptos em escala global. E a start up Hempower avalia que o cânhamo é o grande insumo sustentável do momento.
Para quem não sabe, cânhamo é uma cepa da Cannabis, com características mais fibrosas e baixíssimos índices de tetrahidrocanabinol (THC), a molécula psicoativa da maconha.
Apesar de o cultivo de qualquer espécie de Cannabis ainda ser crime no Brasil, a regulamentação do cânhamo, especificamente, pode estar bem próxima.
Regulamentação próxima?
Isso porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou suspender todas as ações relativas ao cultivo dessa cepa no país (com a limitação de até 0,3% de THC por peso seco), para que o segundo maior tribunal do país possa estabelecer um entendimento nacional a respeito do assunto.
De olho nesse mercado, o engenheiro civil, Rodrigo Segamarchi, com mestrado em Cidades Inteligentes na França, criou a Hempower, uma empresa que surge com o propósito de se tornar guia de boas práticas na construção civil, a partir do hempcrete – o tijolo de cânhamo.
“Mesmo que eu ainda não possa construir com cânhamo no Brasil – porque precisamos de uma norma construtiva para validar o material como uma alternativa segura – quero participar de todo o processo. Desde levar a informação, até o desenvolvimento do concreto ideal”, explica Rodrigo.
Para demonstrar como esse material tem potencial de levantar paredes, Segamarchi expôs um muro de hempcrete na primeira edição da Expocannabis Brasil. A frase que acompanhava o muro chamou a atenção: “Essa parede somente retira 42 kg de CO2 do ar durante o seu clico de vida”.
O evento, que reuniu mais de 20 mil pessoas em São Paulo no mês passado, “furou a bolha” e ganhou novos públicos. “Foi o primeiro muro a ser exposto em uma feira no Brasil. Muitos não imaginavam que a fibra da Cannabis pudesse construir casas”, diz o engenheiro.
Informação, capacitação e transformação social
Prospectando o futuro a médio e longo prazo, Segamarchi diz que o projeto vai ser construído aos poucos, dentro da lei e com segurança.
“Quero convidar pessoas do ecossistema, com conhecimento prático, para atuarem como multiplicadores. A Hempower não será só uma fornecedora de concreto sustentável, mas uma empresa de capacitação, cultivo, processamento e pesquisa da fibra”, antecipa.
CCI atestou a segurança do cânhamo
Muito embora o uso do cânhamo na construção civil ainda seja pouco explorado no cenário internacional, a segurança do material em partes não estruturantes da obra já é reconhecida no mercado global.
Em setembro de 2022, o Conselho de Código Internacional (CCI) aceitou a manifestação da Hemp Building Institute (HBI), organização sem fins lucrativos, para o uso de tijolos desenvolvidos com fibras de Cannabis e cal em obras de preenchimento sem carga, respeitando o Código Residencial Internacional (CRI).
Hempcrete nas paredes, telhado e contra piso
De acordo com o engenheiro, esse tipo de entendimento já traz credibilidade para o setor. Mas ainda é preciso buscar uma norma construtiva brasileira, para não incorrer em riscos regulatórios.
“O hempcrete não pode ser utilizado como viga, pilar ou fundação. Esse material serve para parede, telhado, contra piso, que é a parte mais volumosa da obra”, ensina.
O empreendedor explica que a ideia não é substituir a indústria do concreto pelo cânhamo, mas trazer uma alternativa real de combate à emissão dos gases que causam efeito estufa.
Sequestra CO2
Isso porque o cultivo do cânhamo sequestra gás carbônico e ainda pode regenerar áreas degradadas com a absorção de metais pesados.
“Esse trabalho de consciência ambiental e ecologia é um dos objetivos iniciais da empresa. 40% do CO2 emitido no planeta vêm da construção civil. Essa é a pior indústria no mundo. Já o cânhamo, pode ser a matriz produtiva dessa indústria que mais vai captar carbono da atmosfera”, projeta.
Estudos aprofundados
Para tocar o projeto inovador e ainda único no Brasil, o engenheiro buscou conhecimento. Fez contatos com empresas da Irlanda, Bélgica, África do Sul, Estados Unidos e México, para entender os mecanismos de absorção de CO2 pela planta e formatação do concreto.
Também fez uma imersão de cinco dias em Medelin (Colômbia), para colocar a mão na massa e entender como se faz, na prática, a mistura que compacta a fibra da Cannabis à cal.
“Me conectei para aprender na prática e ouvir a experiência. Mas o que quero é desenvolver tecnologia nacional para cultivo, processamento da fibra, fabricação do concreto e ser um braço de execução na obra”, antecipa.
Como sequestra CO2?
O mercado de crédito de carbono ainda é complexo para a maioria das pessoas, mas de forma simplificada, uma planta é CO2 negativo, quando no processo de fotossíntese, ela absorve mais gás carbônico do que dispersa.
No tijolo de cânhamo há uma dupla absorção de CO2, explica o Rodrigo. “O ciclo da cal completa com a chamada carbonatação. Isso significa dizer que o tijolo continua ganhando resistência depois de pronto e absorvendo carbono em baixo fluxo, mas ainda de forma positiva”.
1 hectare pode absorver 20 toneladas de CO2
Para se ter uma ideia, um hectare de cultivo de cânhamo pode ser capaz de absorver de 10 a 20 toneladas de CO2, num período de ciclo de crescimento de 3 a 4 meses.
Já um metro cúbico de hempcrete fabricado pode sequestrar no seu ciclo de vida até 300 quilos de CO2. “E se a demanda por esse insumo crescer, é só plantar mais, por ser um recurso abundante! Imagina o Brasil, sendo referência mundial no combate a crises climáticas, com altas taxas de absorção de gás carbônico…”, questiona o engenheiro.
Também é resistente ao fogo e ao som
Além da capacidade de absolver CO2 e regenerar áreas degradas, o empreendedor diz que o cânhamo ainda possui uma excelente acústica e é resistente ao fogo.
“Há dois anos tenho estudado microscopicamente como a fibra do cânhamo responde. Desde o sequestro de carbono, até a acústica, força e segurança. É um insumo incrível”, avalia.
Demanda latente
Apesar da falta de regulamentação, o engenheiro afirma que já existe uma demanda latente pelo hempcrete de várias partes do país.
“Não posso fabricar ainda, o trabalho é de base. Daqui a seis meses, isso pode mudar completamente. Fundei a empresa, para ser um norte no pais. Não há nenhuma outra especializada nesse setor, nem pessoas que conheçam como atuar”.
Segundo Rodrigo, o objetivo da Hempower é se estruturar nesse momento e se tornar referência, para receber parceiros solidificados quando a regulamentação acontecer no país.
“Cultivar cânhamo é inverter o impacto negativo da indústria da construção para o positivo. Isso caminha com as diretrizes de sustentabilidade. Ai que entra o fator Brasil. Essa é a minha aposta de ouro. Tudo que o Brasil faz é mega. Com o cânhamo não será diferente”.
Na visão do empreendedor sai na frente quem investe em causas e iniciativas com impacto ambiental positivo e sustentável. “O mercado de investimentos já entendeu isso. A gente nasce com uma proposta de impacto positivo, a causa ESG (meio ambiente, social e governança) é real e não apenas uma falácia”, conclui.