“Eu não imaginava que iríamos chegar tão longe, mas eu sabia que não iríamos parar de crescer”, Cassiano Gomes, diretor-executivo e fundador da Abrace Esperança.
Por Manuela Borges
Nessa semana, a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace) completou oito anos. A entidade que deu início à produção nacional em 2014 – naquela época ainda em desobediência civil – hoje reúne precisamente 31.524 mil associados e emprega mais pessoas do que qualquer outra empresa na Paraíba. “Hoje, nenhuma indústria aqui no estado gera mais empregos do que a Abrace. Os empresários têm meta e limite, a Abrace não. Hoje, temos 180 colaboradores e queremos contratar mais 10”, comemora o diretor-executivo e fundador da Abrace Esperança, Cassiano Gomes.
O gatilho dessa história de sucesso, que envolve quebra de preconceito e democratização de acesso ao óleo da cannabis, foi a mãe do próprio Cassiano, vítima de uma infecção pulmonar causada por uma alergia aguda ao mofo. “Minha mãe me obrigou a tomar uma atitude. Depois de sete dias internada no hospital, ela retornou para casa sem equilíbrio e muito debilitada, sem fome. Foi então que eu comprei 50 gramas de maconha, coloquei numa panela com azeite e produzi o primeiro óleo da minha vida. Então, eu dei o óleo para a minha mãe às 10 horas da manhã, às 13 horas ela já era outra pessoa”, relembra.
De acordo com Cassiano, apenas um dos seis irmãos ficou sabendo do experimento. “Só contei para a minha irmã. Meus outros irmãos não acreditaram, mas como a melhora da saúde da nossa mãe foi evidente, não dava mais para contestar. Desde que ela começou a usar a cannabis, ganhou peso e qualidade de vida. Por causa desse quadro alérgico, minha mãe acabou desenvolvendo uma sequela. Graças à cannabis essa inflamação nos brônquios foi controlada e nunca mais ela precisou de internação”, explica o fundador da Abrace.
Cassiano conta que conheceu os benefícios do óleo da cannabis quando morou nos Estados Unidos entre 2001 e 2003. “Naquela época havia uma campanha muito forte de uso da cannabis em pacientes com diagnóstico de câncer. Na Califórnia, já estava legalizado. Eles estão 30 anos na nossa frente. Então, nos Estados Unidos já era possível conhecer os métodos de extração e os resultados positivos do uso medicinal da planta”, lembra o diretor-executivo.
Da cozinha “fundo de quintal”, a Abrace Esperança ganhou o Brasil e coleciona várias histórias bem-sucedidas do uso medicinal da cannabis. Uma delas é a da Analu de sete anos. A mãe, Grazy Alves, conta que a filha, diagnosticada com Síndrome de West, havia sido desenganada pelo neurologista quando tinha dois anos. “Minha filha tomava sete remédios diferentes para controlar as crises e nada adiantava. No auge, chegou a ter 300 crises de epilepsia em um só dia. Imagina! Eu estava entrando em desespero”. Foi quando a Grazy decidiu fazer um apelo nas redes sociais pedindo ajuda. A notícia de que a Prefeitura de Tibau do Sul (RN) não iria mais fornecer o medicamento de alto custo tinha abalado a família.
“Uma anja chamada Maíza me mandou uma mensagem falando sobre a cannabis. Ela disse para eu procurar a Abrace. E eu fui! Eu e minha filha, na cara e na coragem. Lá fomos acolhidas, conseguimos atendimento médico, receita e o óleo. Foi um milagre! A evolução foi muito rápida! Hoje, minha filha é livre, ela não tem mais crises! A Analu parou de tomar aquele monte de remédio e está só com a cannabis. Apesar dela ter perdido a visão por causa do medicamento que tomava, hoje ela estuda! É um prazer enorme poder levá-la para escola. Abrace trouxe meu sorriso de volta! A cannabis salva vidas! As pessoas precisam saber disso”, conta emocionada a mãe da criança.
Além de doenças raras, a cannabis – em diferentes formatos (óleos, cápsulas, jujubas, vaporizado) – tem sido empregada no tratamento de epilepsia, convulsões, Parkinson, Alzheimer, esclerose múltipla, ansiedade, depressão, insônia, esquizofrenia, dor crônica, inflamações e condições como o transtorno do espectro autista (TEA), para citar alguns exemplos. “No Brasil há 55 milhões de pessoas com doenças intratáveis e a cannabis pode fornecer qualidade de vida para esses pacientes”, contabiliza Cassiano.
Os relatos de melhora, sejam empíricos ou científicos, têm transformado essa demanda numa curva ascendente e exigido do Judiciário um posicionamento. Em 2017, a Abrace conquistou na Justiça uma liminar autorizando o cultivo para o uso medicinal dos associados em forma de óleo. A entidade foi a primeira no país a conquistar o direito, que ainda não está completamente consolidado. No ano passado, essa autorização judicial chegou a ser derrubada, mas foi restabelecida diante da pressão popular e da impossibilidade de garantir o fornecimento do medicamento aos pacientes a preços populares, a não ser por meio do cultivo da própria associação.
“Nunca tivemos parâmetros para estipular o tamanho do nosso cultivo. Hoje, estabelecemos a medida de uma planta por paciente. Ou seja, temos 32 mil plantas atualmente. Todas com rastreabilidade”, explica. De acordo com o Cassiano, a Abrace tem se estruturando para atender às exigências da lei que vem se desenhando no Congresso Nacional. No caso, o PL 399/2015 aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados em junho do ano passado que está à espera de votação no plenário da casa. “Sabemos que o Arthur Lira, presidente da Câmara, sentou em cima do projeto. Acreditamos que a próxima legislatura eleita poderá avançar nessa lei. Hoje, não vemos perspectivas de aprovação, por enquanto. Sabemos que o texto não é o ideal, mas ainda pode ser aprimorado. Entendo que há diferenças entre as associações e por isso, claro, devem ser criadas regras de acordo com a quantidade de associados”, afirma Gomes.
O fundador da Abrace Esperança defende ainda que, para além do legislativo, a Anvisa também precisa assumir as suas responsabilidades e regular com mais precisão o trabalho das associações que vêm sendo desenvolvido no país. “Hoje, entendemos que o intuito da Anvisa sempre foi o de proteger os pacientes, por isso as regras são exigentes. Tudo tem um porquê. E isso não deve ser um impedimento, mas uma obrigação. Temos que cumprir as boas práticas, implantar a rastreabilidade das plantas e garantir o controle de qualidade. Essa é a maior exigência da Anvisa. Claro, precisamos de prazo para nos adaptar, porque ninguém pode se adequar do dia pra a noite. Mas uma associação com 30 pacientes não pode ser tratada como uma outra com 10 mil, por exemplo”, pondera.
Para atender a intensa geração de demanda, a Abrace se estrutura para criar uma sede em São Paulo, uma vez que a maioria dos associados são do estado, segundo a entidade. “Buscamos todos os tipos de apoio seja financeiro, logístico e técnico-científico. O modelo de associações veio para ficar, porque garantimos o acesso ao óleo de forma mais democrática. A Abrace e a Apepi demonstraram que esse modelo é viável. Nós escalamos a montanha de pedra, fizemos a trilha e inserimos os clipes. Agora, basta amarrar a corda e subir”, analisa o fundador da Abrace Esperança.
Outra novidade da Abrace é a inauguração do próprio laboratório onde são feitas as análises da produção. O Dr. Pedro Pierro, diretor-científico deste portal e um dos primeiros médicos prescritores da associação, conta que participou do aniversário de oito anos da entidade na Paraíba e conheceu a reestruturação da associação. “Tive a oportunidade de conhecer o laboratório, eu conversei com os farmacêuticos. Conheci todo o processo, desde onde são analisados os fracos, até a forma como é feita a inspeção. A Abrace não é uma empresa, é uma associação. Os cálculos lá são feitos à mão, não há supercomputadores. Há um processo dupla checagem, tudo é visto duas vezes. As pessoas que trabalham ali tem orgulho de fazer parte dessa história. E eu tive a mesma sensação, orgulho de fazer parte da história da Abrace”, afirma o Dr. Pierro.
Para além da produção do óleo, o Cassiano conta que está desenvolvendo uma plataforma – a Legacy – para auxiliar na gestão, controle, transparência dos gastos, rastreabilidade e produção de outras associações. “Criamos uma startup para não entrar em conflito com os interesses da Abrace, e 24 associações já estão testando essa plataforma que está em fase de desenvolvimento. O melhor da Abrace é repassar conhecimento para outras associações. Se não for assim, a Abrace vai explodir. Se seguir nesse ritmo, em três anos teremos 100 mil associados e isso compromete a gestão, a qualidade do atendimento. Por isso, incentivamos a chegada de novas associações. É meu dever ajudá-las a crescer. É um grande desafio ser pioneiro. Assumimos várias responsabilidades e tomamos várias pedradas. É difícil, mas compensador”, defende Gomes.