Conselho de classe reconhece as propriedades terapêuticas da cannabis em animais, mas diz que os profissionais ainda não possuem segurança jurídica para prescrever
Por Manuela Borges
O Assessor Técnico Jurídico do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), Rodrigo Montezuma, em entrevista exclusiva ao portal Sechat, explicou que as Resoluções de Diretoria Colegiada (RDCs) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se limitam a restringir o uso de canabinoides apenas para uso humano. A orientação do CFMV é para que os profissionais, que tenham interesse em prescrever o tratamento à base de cannabis, busquem respaldo e proteção jurídica para não colocar em risco a atividade profissional.
Confira a entrevista completa logo abaixo.
– Hoje, o veterinário já pode prescrever a cannabis medicinal ou ainda há um vácuo jurídico sobre o assunto?
O Conselho Federal de Medicina Veterinária tem buscado a Anvisa, reiteradamente, no sentido de preencher essa lacuna que hoje restringe apenas aos médicos humanos a prescrição dos canabinoides. Hoje, o médico veterinário ainda está nessa lacuna de possibilidades ou não, de utilização desses produtos em animais.
– Se de um lado as Resoluções da Anvisa delimitam a prescrição de canabinoides apenas para uso humano, por outro lado, a Portaria 344 da Agência libera aos veterinários a prescrição de substâncias controladas, correto?
Exatamente, e os canabinoides estão presentes na Portaria 344 da Anvisa. O texto diz que os profissionais inscritos nos Conselhos de Medicina, Medicina Veterinária e Odontologia podem prescrever e dispensar as substâncias ali contidas (Portaria 344) com reserva para os médicos, medicamentos do grupo C. No entanto, essas substâncias à base de canabinoides que estão sendo amplamente utilizadas – não discuto os efeitos terapêuticos – elas estão limitadas. Por enquanto, em razão de RDCs da Anvisa, restritas à utilização humana e à importação para uso pessoal. Até agora, nenhuma RDC ampliou a utilização da cannabis para além dos médicos e nós temos cobrado da Anvisa uma posição mais clara sobre esse assunto.
– Atualmente, quais são os procedimentos para importar um medicamento de uso veterinário?
A princípio, se o medicamento for exclusivamente de uso veterinário, o trâmite é todo feito pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Obviamente, não havendo nenhum tipo de problema com substâncias que são proibidas no país. Se a substância for permitida, basta registro no MAPA.
– Hoje, se um médico veterinário prescrever a cannabis, ele pode estar correndo qual risco?
Essa é uma pergunta extremamente importante! A recomendação que o Conselho Federal de Medicina Veterinária tem repassado é a de que o médico veterinário, que utilize desse tipo de tratamento, procure segurança jurídica no sentido de prescrever, para que não haja nenhum tipo de problema, principalmente com a justiça. Então, delimite bem o problema do seu paciente, leve o caso à justiça para autorização judicial do produto, que hoje está restrita aos médicos.
– E o Conselho Federal de Medicina Veterinária trabalha para pôr um fim a essa insegurança jurídica?
Exatamente, nós colaboramos com o PL 369/2021, de autoria do deputado federal João Carlos Bacelar (Pode/BA), que versa sobre o uso dos canabinoides na medicina veterinária, e já instigamos por ofício a própria Anvisa no sentido de que ela amplie o rol de profissionais nos mesmos termos da Portaria 344 que permite não só os médicos, mas os odontólogos e médicos veterinários a prescrição de substâncias ali contidas no texto. Tendo em vista que os efeitos terapêuticos da cannabis são extremamente relevantes e têm sido relatados benefícios inúmeros aos pacientes, a medicina veterinária também quer se valer desse tipo de substância para os seus pacientes.
– Ou seja, o Conselho Federal de Medicina Veterinária é a favor da regulamentação da cannabis e reconhece as propriedades terapêuticas da planta?
Certamente! Além disso, o nosso papel institucional e legalmente estabelecido é no sentido de que possamos garantir a segurança do exercício profissional. Esse é o principal papel que CFMV desempenha no país, não só na fiscalização, como também na verificação da regulamentação para o plen
– Inclusive no Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo foi criado um grupo de trabalho para contribuir com essa pauta da cannabis para uso veterinário, não é?
Não só lá, mas lá está despontando. Nós estamos instigando esse assunto há mais de um ano, porque realmente as propriedades terapêuticas da planta saltam aos olhos e o que a gente precisa agora é justamente de segurança jurídica no exercício profissional.
O que diz a Anvisa:
A Anvisa é o órgão brasileiro responsável (usos médico e científico) pelas substâncias sujeitas a controle especial no Brasil – em conformidade com as Convenções da ONU de 1961, 1971 e 1988 – listadas na Portaria 344/98 da Agência Reguladora.
De acordo com a nota encaminhada pela assessoria de imprensa da Anvisa, apesar do registro de medicamentos veterinários ser uma competência do MAPA, os derivados da cannabis têm a sua restrição na Lista “E” da Portaria 344/98 da Agência, e isso inclui apenas as possibilidades de prescrição para uso humano.
Para que os médicos veterinários possam prescrever o medicamento, segundo a Anvisa, a categoria teria que ser incluída na previsão da lista “E” da Portaria 344/98, e após essa alteração, os produtos ainda deveriam responder à regulamentação específica do MAPA sobre o uso medicinal veterinário de derivados de cannabis (caso não sejam efetivamente medicamentos), ou o registro de medicamentos veterinários com derivados de cannabis, conforme a decisão daquele ministério.
Assista a entrevista completa: