Proposta deverá ser entregue só em julho conforme plano de trabalho apresentado à Corte Superior

Seis meses atrás o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a União regulamentasse o cultivo da Cannabis – para fins medicinais – no Brasil, até o dia 19 de maio de 2025.  

Mas ao invés de apresentar os termos das regras que vão nortear o setor, o Governo Federal conseguiu driblar o prazo do Judiciário com um “plano de ação”, que prevê o anúncio da regulamentação só em julho desse ano.

Vale lembrar que por duas vezes, o STJ negou, tanto para a Advocacia-Geral da União (AGU) como para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a possibilidade de adiar a regulamentação do plantio no país, determinando o prazo final nesse mês de maio.

Regulamentação ainda em construção

Para não contrariar a determinação do STJ, a AGU protocolou no órgão um cronograma para ganhar tempo e finalizar a construção de um plano nacional para regulamentar a produção, o controle e o acesso a produtos derivados da Cannabis – para fins exclusivamente medicinais. 

A iniciativa, de caráter interministerial, surge em resposta direta ao acórdão, proferido no julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 16.

Omissão

O julgamento, finalizado em novembro do ano passado, se tornou um marco jurídico ao afirmar que, diante da omissão estatal (que é inconstitucional), compete ao Judiciário assegurar o acesso de pacientes a derivados da Cannabis medicinal. 

A decisão consolidou a jurisprudência que vem permitindo autorizações judiciais para cultivo doméstico e importação de produtos à base da planta por pessoas com indicação terapêutica comprovada, ou seja, mediante prescrição médica.

Vácuo Regulatório

Diante dessa obrigação judicial, o Governo Federal, por meio de uma articulação coordenada pela Casa Civil da Presidência da República, iniciou a elaboração de um plano de ação para enfrentar o vácuo regulatório. 

O trabalho envolve diversos órgãos federais, incluindo os Ministérios da Saúde, Justiça e Segurança Pública, Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Ciência, Tecnologia e Inovação, além da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Política Pública de Acesso

A proposta, ainda em construção, busca não apenas garantir o cumprimento da decisão judicial, mas também estabelecer as bases para uma política pública que assegure o ‘acesso universal, seguro e com respaldo técnico-científico’ aos medicamentos derivados da Cannabis. 

Isso inclui a regulamentação da cadeia produtiva – do cultivo ao consumo -, a criação de protocolos sanitários, a definição de critérios técnicos para prescrição e dispensação, e a promoção de pesquisa científica sobre o uso medicinal do vegetal.

“A decisão do STJ explicitou a urgência de uma atuação normativa do Poder Executivo. O plano visa organizar uma resposta coordenada, abrangente e constitucionalmente adequada à crescente demanda da população por acesso a tratamentos à base de Cannabis”, explica um dos técnicos envolvidos na construção da proposta.

Incentivo à produção nacional

Além do viés jurídico e sanitário, o plano também considera aspectos econômicos, sociais e ambientais. Um dos eixos centrais é o incentivo à produção nacional dos derivados medicinais, reduzindo a dependência de importações e promovendo o desenvolvimento de polos produtivos em territórios vulneráveis, com incentivo à agricultura familiar, cooperativas e tecnologias sustentáveis.

O documento final deverá apresentar diretrizes para a atuação conjunta dos entes federativos, estratégias de fiscalização e controle, mecanismos de fomento à inovação e à pesquisa, e a definição de um marco normativo que dê segurança jurídica tanto a pacientes quanto a produtores, prescritores e gestores públicos.

Superar preconceitos

A expectativa do governo é que o plano contribua para consolidar uma política de Estado em torno do uso medicinal da Cannabis, superando resistências ideológicas e preconceitos históricos que ainda cercam o tema. 

O desafio, afirmam os envolvidos, é garantir uma regulamentação equilibrada, que combine rigor científico, respeito aos direitos fundamentais, responsabilidade institucional e até o reconhecimento das associações dos pacientes.

O que dizem os especialistas?

Para Emilio Figueiredo, advogado e fundadora da Rede Reforma, o ponto alto do plano de ação é o reconhecimento formal das associações. “Essa é a primeira vez que o Executivo reconhece de forma clara e institucional o trabalho que vem sendo desenvolvidos há anos por essas entidades”, destaca Figueiredo.

Advogado Emilio Figueiredo

Entretanto, critica o adiamento da regulamentação. “Para mim, é um ‘ato atentatório à dignidade de Justiça’ por não cumprir a decisão judicial no prazo fixado pelo STJ”.

A luta continua

Na visão de Emílio, ainda que a regulamentação do cultivo acolha as associações de pacientes, ainda há um longo trabalho em prol da legalização da planta como um todo. Tanto no sentido de assegurar o auto cultivo para pacientes e usuários, como também pela criação de políticas públicas que tragam reparação social e histórica.

“Quando tivermos essas regras para o cultivo em solo brasileiro, a luta vai seguir pelo cultivo doméstico e maior liberdade para os usuários da planta”.

Ademais, Margarete Brito, mãe atípica e presidente da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi), no Rio de Janeiro — que atualmente atende mais de 5 mil pacientes —, reforça a urgência da regulamentação.

 “O anúncio de um plano de trabalho é um passo, mas não substitui a urgência da regulamentação. Enquanto o processo se arrasta, trabalhadores de associações que cultivam cannabis correm riscos até de prisões”, alerta.

Complementando, o advogado, membro da Associação Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC), Konstantin Gerber, defende a abertura de um processo regulatório específico para disciplinar a atuação das associações de pacientes de Cannabis medicinal no Brasil, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do direito à saúde e da liberdade de associação.

Advogado Konstantin Gerber

“O reconhecimento oficial da legitimidade da atuação das associações de pacientes, diferenciando-as claramente do mercado farmacêutico industrial e assegurando a continuidade das atividades de cultivo, manipulação artesanal e distribuição de derivados de Cannabis a seus associados”, afirma o advogado.

Regulamentar para garantir direitos

Além disso, Konstantin destaca a necessidade de reconhecer a inconstitucionalidade da criminalização de pacientes, assegurando proteção jurídica e orientação adequada também para os agentes de segurança pública, que atuam muitas vezes sem parâmetros claros.

Ele propõe ainda a concessão de licenças específicas para a produção artesanal no âmbito associativo, com distribuição restrita aos associados e mediante a apresentação de planos de controle de qualidade elaborados pelas próprias entidades.

Esse processo, segundo o advogado, pode ser reforçado pela adoção de mecanismos de certificação participativa orgânica, garantindo segurança sanitária e fortalecendo a autonomia das associações.

Ademais, para consolidar uma política pública efetiva e democrática, Konstantin sugere a instalação de um conselho consultivo paritário, reunindo representantes do governo, das associações, de profissionais da saúde e da sociedade civil, que atuaria na construção e no monitoramento da política nacional sobre a Cannabis medicinal.

Por fim, ele defende a criação de um programa de apoio estruturado, com editais públicos destinados a parcerias com as associações, além de ações de capacitação para profissionais de saúde e responsáveis pelo cultivo.

“O direito de petição para a defesa de direitos aos poderes públicos é uma garantia constitucional e exige resposta em tempo razoável. Não se pode aceitar que o Estado siga inerte diante da urgência da pauta e das necessidades dos pacientes”, conclui.

Inicie seu tratamento 

O uso medicinal da Cannabis já está regulamentado pela Anvisa desde 2014. Médicos, cirurgiões-dentistas e médicos veterinários – com registro profissional ativo – estão aptos a prescrever fitocanabinoides (moléculas medicinais da Cannabis).

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