Produções não-industriais de Cannabis podem alcançar padrões laboratoriais de qualidade? Uma pesquisa inédita aponta que sim!
Em um país onde o acesso à Cannabis medicinal ainda esbarra em barreiras regulatórias, custos elevados e desigualdade no atendimento à saúde, uma nova pesquisa brasileira vem lançar luz sobre caminhos mais justos e eficazes. Realizado na Universidade de Brasília (UnB), o estudo aponta um método de produção de Cannabis promissor, capaz de alcançar níveis de precisão semelhantes aos da indústria farmacêutica, sem necessidade de industrialização.
A descoberta representa um marco não apenas científico, mas político e social: ela propõe que a excelência terapêutica pode nascer de práticas descentralizadas, com baixo custo.
Batizado de “Método Herbalista”, o protocolo desenvolvido utiliza extratos integrais da planta e equipamentos acessíveis, permitindo que pequenas associações, farmácias de manipulação e terapeutas comunitários tenham uma ferramenta técnica válida para produzir formulações consistentes.
Pesquisador Pedro Nicoletti em meio à realização do estudo.
Qualidade farmacêutica com método artesanal
Em vez de recorrer a processos industriais complexos ou à importação de insumos, o método valoriza o fitocomplexo — conjunto completo de Canabinoides, terpenos e flavonoides — e prioriza a autonomia da produção nacional, respeitando tanto os critérios científicos internacionais quanto os princípios da cultura canábica de legado.
Para entender as implicações dessa descoberta — e o rigor técnico que a sustenta — conversamos com o responsável pela pesquisa, o bioeticista e pesquisador Pedro Nicoletti.
“A pesquisa demonstra que a qualidade não precisa ser um privilégio da indústria farmacêutica. É possível alcançar precisão técnica com simplicidade de meios, o que devolve autonomia a pequenos produtores, terapeutas comunitários, farmácias de manipulação e associações”, afirma Nicoletti.
Atestado em laboratório, o método permite a formulação de Derivados Fitocomplexos Combinados (DFC) com perfis químicos estáveis e compatíveis com os critérios da farmacopeia brasileira e europeia, incluindo os principais biomarcadores da planta: o THC (Tetrahidrocanabinol) e o CBD (Canabidiol).
Um método científico, popular e inclusivo
O Método Herbalista foi desenvolvido ao longo de anos de pesquisa aplicada, com base em diretrizes de bioética e inclusão social. O estudo adota uma abordagem interdisciplinar, combinando metodologias das ciências humanas, sociais e exatas.
A proposta vai além da simples extração de compostos: busca construir um modelo tecnicamente seguro e socialmente apropriável, que valoriza práticas populares e comunitárias de cuidado com a cannabis.
“O estudo não é sobre distribuição gratuita de medicamentos, mas sobre desenvolver técnicas que possam ser apropriadas por populações vulneráveis, historicamente excluídas dos processos de desenvolvimento científico e produtivo”, explica o pesquisador.
Equipamentos simples, precisão elevada
Um dos pilares da pesquisa foi comparar os resultados de balanças de alta precisão — como as usadas em laboratórios farmacêuticos, com custo médio de R$ 8.000 — a uma balança acessível comprada pela internet por cerca de R$ 130. O resultado: ambas apresentaram performance equivalente no contexto da metodologia utilizada.
Com base nesses dados, Pedro Nicoletti afirma que é possível implementar o método com um investimento inferior a R$ 2.000, o que torna a técnica viável para laboratórios artesanais e para autoprodutores — que buscam autonomia para cuidar da própria saúde.
Formação técnica e cartilhas de apoio
Apesar de simples, o método exige formação básica em métodos analíticos e interpretação de dados. Por isso, Nicoletti tem estruturado uma mentoria online chamada “Do Artesanal ao Profissional”, reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC), além de preparar o lançamento de um livro-guia completo, previsto para os próximos meses.
“Qualquer pessoa com compreensão matemática básica e capacidade de interpretar resultados pode aprender. A formação é acessível e pensada para empoderar produtores comunitários, terapeutas e educadores populares”, explica.
Implicações regulatórias e políticas públicas
A validação do Método Herbalista pode representar um divisor de águas nas políticas públicas de acesso à Cannabis medicinal no Brasil. O estudo demonstra que fitoterápicos complexos podem ser padronizados com precisão e segurança, mesmo fora da indústria farmacêutica, contrariando a lógica atual de regulação.
“Esse estudo traz argumentos científicos e sociais que podem fortalecer ações jurídicas e legislativas para pressionar a ANVISA a reconhecer produções artesanais que alcancem os padrões exigidos — sem exigir industrialização”, defende Nicoletti.
Próximos passos: articulação científica e institucional
O plano agora é expandir a base de validação, monitorar produções que adotem o método e publicar os resultados. O Instituto Herbalista, fundado pelo pesquisador, abrigará as iniciativas, com o apoio de instituições como a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), envolvidas na pesquisa.
“Nosso objetivo é garantir que esses dados circulem, sejam reconhecidos e ajudem a legitimar as práticas tradicionais e descentralizadas. Essa metodologia pode modificar a estrutura produtiva da Cannabis medicinal, que hoje está concentrada em grandes grupos”, conclui Nicoletti.
Cannabis como cultura, ciência e resistência
Por trás do compromisso técnico e metodológico, há também um forte elo afetivo e político entre Nicoletti e a planta que estuda. “Eu não só consumi Cannabis ao longo da minha vida, como convivi com pessoas que também consumiam. Meus ídolos fazem parte dessa cultura — que é insurgente, contraintuitiva, rebelde por natureza, em razão da criminalização injusta da planta e da estigmatização das populações que a utilizam”, afirma.
Segundo ele, foi nesse universo que aprendeu sobre desigualdades, inverdades sociais e sobre o valor do saber comunitário. “Conheço a Cannabis como consumidor, como amante, como pesquisador. E essa vivência me fez compreender as nuances do fitocomplexo, perceber que seus efeitos simbióticos são, muitas vezes, mais eficazes do que os produtos isolados.”
Para Nicoletti, os primeiros cientistas da Cannabis foram — e ainda são — os cultivadores e produtores tradicionais. “Eles preservam variedades, criam novos produtos, enfrentam o preconceito e sustentam o conhecimento vivo da planta. O que o Método Herbalista busca fazer é justamente construir uma ponte entre esse legado popular e os critérios de validação científica exigidos hoje.”
Um passo em direção à autonomia e à justiça científica
Mais do que validar um novo método laboratorial, o estudo conduzido por Pedro Nicoletti propõe uma reconfiguração profunda na forma como o Brasil enxerga e regulamenta a produção de Cannabis medicinal.
Ao demonstrar que qualidade, precisão e segurança podem ser alcançadas fora dos grandes polos industriais, o Método Herbalista pretende devolver protagonismo às mãos de comunidades, associações e terapeutas historicamente marginalizados pela ciência oficial.
Cientificamente validado
O avanço não está apenas nos dados ou nas análises de biomarcadores, mas na possibilidade concreta de construir um modelo de cuidado que seja cientificamente validado, economicamente viável e socialmente justo.
Em um país onde o acesso à Cannabis medicinal ainda é limitado e excludente, reconhecer o valor das práticas artesanais e comunitárias é também reconhecer o direito à autonomia, à saúde e à soberania científica.
Assim, a abertura desse novo caminho possibilita que o Brasil se aproxime de um futuro em que a legitimidade do saber popular e a exigência técnica caminham juntas — fortalecendo um ecossistema de cuidado mais diverso, inclusivo e enraizado na realidade de quem mais precisa.
Você sabia que o uso medicinal da Cannabis é legal e regulamentado no Brasil pela Anvisa desde 2014? Os canabinoides podem tratar mais 30 diferentes patologias.
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