Em sete anos, 128 demandas de pacientes que entraram na justiça para conseguir CBD foram atendidas pelo Ministério da Saúde que comprou o produto de 15 empresas.
Entre 2015 e abril de 2022 a Coordenação-Geral de Gestão de Demandas Judiciais em Saúde (Ministério da Saúde – MS) atendeu a 128 demandas de ações judiciais de pacientes do Distrito Federal, que solicitaram medicamentos à base de Cannabis por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados, conseguidos com exclusividade pela reportagem, por meio da Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei 12.527/2011), mostram que ao longo desse período 14 empresas estrangeiras e uma nacional forneceram produtos com canabinoides em diferentes concentrações, formatos e valores distintos, aos pacientes que buscaram a justiça para obter o medicamento.
Somando as 128 demandas judicializadas, foram entregues 5.468 unidades no período. Ao todo, o Sistema Único de Saúde comprou R$ 3.155.716,00 reais em medicamentos só para atender aos pacientes do Distrito Federal. É como se o Estado tivesse gasto, em média, R$ 24.654, 00 por demanda judicial. A reportagem também buscou saber os dados das demais unidades da federação, mas a resposta foi a seguinte:
“Quanto a solicitação comunica-se a inviabilidade de responder ao requerido, visto esta Coordenação-Geral não possuir Sistema de Controle destes dados. Nesse sentido, indica-se o artigo 13 do Decreto 7.724, de 16 de maio de 2012, que regulamenta a Lei de Acesso a Informação – LAI (Lei 12.527/2011), o qual dispõe: “Art. 13. Não serão atendidos pedidos de acesso à informação: III – que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência do órgão ou entidade”, afirma o documento em resposta ao pedido de informação.
Preço mais caro e preço mais barato
Em pouco mais de sete anos, a empresa que mais atendeu demandas judicias (31) na capital do país foi a Pharmamed Global Distributors. Sozinha, a farmacêutica vendeu para o governo brasileiro 783 unidades por R$ 872.891,20. Dentre os dados que chamam a atenção, a MWB CORP foi a empresa que vendeu o maior número de itens. Foram 1.680 cápsulas, a R$ 26,55 reais cada uma. A formulação descrita na tabela apresentada pelo Ministério de Saúde diz que o produto é de um extrato medicinal, com princípio ativo de canabidiol (CBD) numa concentração de 50mg.
Para fins de curiosidade, a empresa que apresentou o valor mais baixo foi a ParagonMed Enterprise, a cápsula saiu por R$ 9,87 reais cada. Nesta formulação do extrato medicinal, a concentração de canabidiol é de 25mg, ou seja, metade da marca citada acima. Das 128 demandas judiciais, apenas duas receitas previam cápsulas, o restante eram formulações em seringas, bisnagas e frascos.
Das demandas judiciais atendidas no DF, o rótulo mais caro foi o da Pharmamed Global Distributors. O frasco de 30 ml, numa concentração de 16,5% do princípio ativo de canabidiol custou ao Ministério da Saúde R$ 4.330,80 a unidade. É importante dizer que nem todas as demandas judiciais atendidas pela farmacêutica dizem respeito especificamente a essa concentração citada. É importante dizer que como se trata de concentrações e formatos diferentes não é possível traçar um comparativo exato entre as marcas. Para quem não sabe, a concentração de CDB por ml ou cápsula, por exemplo, é o que determina o preço do produto.
De acordo com o Diretor do Departamento de Logística em Saúde do MS, Ridauto Fernandes, a procura por medicamento à base de Cannabis tem aumentado consideravelmente. E hoje, o acesso ao produto, via SUS, somente ocorre por meio de ações judiciais. “A demanda de judicialização cresceu tanto que o órgão que trata do assunto se transformou em um departamento. É uma demanda da sociedade, já que o SUS não fornece o medicamento”, explica o gestor.
Para o advogado da Associação Alma Cannabis, Danniel Moura, é lamentável a ausência de transparência nesse processo de compra de canabidiol, uma vez que não há licitação e nem padrões pré-estabelecidos para a aquisição do produto. “Nós ficamos muito surpresos de ver esses dados. Não há como auditarmos os gastos públicos. Ao que tudo indica, esse dinheiro não está sendo aplicado corretamente, já que não existe uma política pública voltada para a aquisição desse tipo de medicamento”. Para Moura, os dados ainda estão subdimensionados, uma vez que só quem tem acesso a um advogado consegue judicializar esse tipo de ação. “O tratamento com Cannabis no Brasil é assimétrico e muito elitizado. E esse tratamento já é credenciado pelo médico e pela Agência Reguladora. A gente fica triste. O acesso deveria ser para todos. Agora é importante se debruçar sobre esses números para entender como as políticas estão sendo desenhadas e, como pode ser melhor aplicado o dinheiro público dos contribuintes”, alerta o advogado.
O advogado Rafael Kruel, especializado em judicialização de demandas médicas, faz uma análise semelhante. Para ele, o número de ações judiciais ainda é tímido frente a quantidade de pessoas que poderiam se beneficiar com o tratamento à base de canabidiol. “Ainda que as 128 demandas sejam relativas somente ao DF, que é o recordista de autorizações de uso de cannabis medicinal no país, proporcionalmente somente no caso dos autistas, a quantidade de demandas é ínfima. Pare se ter uma ideia, estimasse que no Brasil existem aproximadamente 2 milhões de pessoas com autismo”, contabiliza Kruel.
Kruel lembra ainda que em 2020 foram concedidas pela Anvisa 19.150 autorizações. Em 2021 esse montante saltou para 40.191 contra 8.522 solicitações em 2019. “Acredito que a baixa quantidade de demandas ocorre em razão do desconhecimento de parte da população menos favorecida, que na maioria dos casos sequer conhece os benefícios do tratamento à base de canabidiol. Com isso, o acesso ao tratamento fica restrito a uma minoria que tem acesso a informações e aciona a justiça para obter o tratamento. Inclusive, existem muitas ações ajuizadas com sucesso contra as operadoras de plano de saúde também”, adianta o advogado. Para o especialista, se o medicamento fosse fornecido espontaneamente pelo SUS os custos seriam menores. “A judicialização da demanda gera custos extras que não existiriam caso o medicamento fosse fornecido sem burocracias. Além disso, havendo fornecimento via SUS os preços poderiam ser negociados com os fornecedores baixando ainda mais o custo”, prevê Rafael Kruel.
Fornecimento de medicamentos à base de Cannabis entre 2015 e 2022 (parcial)
Empresa Fornecedora | Total de vendas realizadas com demanda judicial | Quantidade de itens vendidos (no total das vendas) | Valor total das vendas |
PHARMAMED GLOBAL DISTRIBUTORS | 31 | 783 | R$ 872.891,20 |
TS PHARM INC | 24 | 779 | R$ 721.386,22 |
MASTERS MEDICAL INC | 16 | 437 | R$ 377.390,42 |
HEMPMEDS BRASIL | 14 | 363 | R$ 261.191,93 |
PARAGONMEDS ENTERPRISES | 14 | 790 | R$ 258.065,47 |
MWB CORP | 4 | 1719 | R$ 144.398,03 |
DYNAMICPHARMA | 4 | 113 | R$ 122.643,95 |
PRATI, DONADUZZI & CIA LTDA | 3 | 59 | R$ 109.174,19 |
MDM PHARMA | 8 | 189 | R$ 92.243,23 |
FARMAUSA | 2 | 106 | R$ 75.798,60 |
HM MEDICAMENTOS LTDA | 2 | 36 | R$ 60.768,00 |
MAWDSLEYS | 3 | 64 | R$ 34.963,76 |
REMEDEX MEDICAL LLC | 1 | 18 | R$ 11.466,30 |
DIPROPHAR | 1 | 6 | R$ 8.546,82 |
GP HEALTHCARE | 1 | 6 | R$ 4.788,24 |
Total | 128 | 5468 | R$ 3.155.716,36 |
Fonte: Ministério da Saúde via LAI