A Adwa Cannabis é a primeira startup brasileira com autorização de cultivo da Cannabis para fins de pesquisa no Brasil. Desde 2020, a empresa trabalha com o melhoramento genético da planta em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (MG) e já exporta tecnologia para o Uruguai.
Se de um lado algumas pastas do Governo Federal negam o uso medicinal da Cannabis, de outro, o Executivo Federal – por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – investe em melhoramento genético da planta tanto para fins medicinais, assim como para o uso industrial da planta.
Desde 2020, a startup Adwa Cannabis recebe investimento público para desenvolver pesquisas e tecnologia nessa área. O idealizador do projeto, o agrônomo Sérgio Rocha, conta que o estudo científico teve início em 2016, ao longo da elaboração de um trabalho de especialização. Mas os recursos só chegaram quatro anos depois, por meio de dois editais: um aberto pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPQ) e outro por meio do Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). O incentivo já acaba nesse ano.
Há dois anos o cultivo da Cannabis – com recursos do Governo Federal – é feito nas instalações da Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG), referência nacional na área de agronomia. O projeto prevê o cruzamento genético de diferentes variedades em busca de novas cepas que sejam mais resistentes e adaptáveis às condições climáticas do Brasil. Sérgio Rocha explica que, inicialmente, foram cruzados materiais genéticos de nove variedades da Cannabis e após esse cruzamento os pesquisadores avaliaram 30 materiais distintos.
“A Cannabis é uma planta exótica, então se a gente quiser conquistar altas taxas de produtividade com baixo custo é necessário desenvolver o mesmo processo que aconteceu com a soja. Um trabalho de melhoramento genético, porque a soja também não é originária do Brasil. Assim como a soja, o Brasil pode se tornar referência no cultivo de Cannabis. O trabalho que a gente faz é adaptar essas plantas ao solo e clima brasileiro para que a gente tenha sistemas de cultivo a baixo custo e com alta qualidade. A nossa intenção é que o Brasil possa fornecer não apenas matéria-prima para o mercado interno e externo, mas também tecnologia para outros países”, adianta o agrônomo.
De acordo com o chefe do Departamento de Agronomia da UFV, professor Ricardo Henrique Silva Santos, a Universidade Federal de Viçosa sempre esteve em sintonia com inovações e desenvolvimento científico em diversas áreas no âmbito de suas ações e, a possibilidade de desenvolver pesquisa sobre os aspectos agronômicos da Cannabis não foi diferente. “O uso medicinal da espécie é altamente promissor e para isto necessitamos de base agronômica científica para seu melhoramento, produção e pós-colheita. Realizamos estes estudos com diversas outras culturas e, após obtermos todo aparato legal, jurídico, o Departamento de Agronomia abraçou mais esta linha de atividades, dentro dos marcos da ciência”, detalha o docente.
Para o professor chefe, esse pioneirismo da Universidade mineira pode estimular outras instituições de ensino a buscar amparo na legalidade para desenvolver atividades semelhantes. “Acreditamos que existem muitas outras instituições de pesquisa, ou ensino-pesquisa-extensão no Brasil qualificadas para desenvolverem estas atividades com a Cannabis. Quem sabe um dia poderemos constituir uma rede de pesquisa complexa, envolvendo colegas do Direito, da Ciência dos Alimentos, da Medicina e Enfermagem por exemplo, de diversas instituições”, vislumbra Silva Santos.
Exportando tecnologia
Além de a empresa de biotec estar aprimorando os genes das cepas da Cannabis para fins medicinais e industrias, o projeto também prevê o
desenvolvimento de um software para atender a chamada “Agricultura 4.0”. O modelo já pronto – voltado para o setor canábico – é capaz de acompanhar a rastreabilidade do cultivo e utiliza a inteligência artificial para auxiliar o produtor na tomada de decisão. “Esse sistema evita desvio de finalidade e, por meio da inteligência artificial é capaz de prever problemas que podem surgir ao longo do cultivo. O aplicativo, então, alerta o produtor para que ele possa se planejar melhor. A tendência é de que os custos e perdas produtivas com esse software sejam menores e, consequentemente, a produtividade e a qualidade final sejam melhores”, explica o autor do projeto.
De acordo com Rocha, a licença do aplicativo já foi adquirida por uma empresa no Uruguai para o uso de uma versão beta. “A partir da validação dessa empresa, desenvolvemos uma versão para comercialização. Isso mostra o potencial do Brasil para inovação e desenvolvimento de tecnologia para países onde mercado da Cannabis já está regulado, já está legalizado. Para gente é uma vitória”, comemora o agrônomo. Atualmente, cerca de 20 pesquisadores participam do projeto e a expectativa do grupo é expandir ainda mais. “Nosso objetivo é poder ampliar a nossa equipe, justamente porque existe uma demanda reprimida. Temos potencial para atender essa demanda que já existe no exterior. A ideia é vender esse software para mais empresas e atender todos os países da América Latina que já têm a matéria regulamentada”, prospecta o agrônomo.
Questionado se o projeto causou polêmica dentro da Universidade, o professor Ricardo Silva Santos afirmou que por se tratar de um tema sensível – e com razão – sempre há e haverá mais questionamentos sobre as pesquisas envolvendo a Cannabis do que outro tipo de estudo científico. “É saudável e nos leva a estar atentos para a complexidade do assunto. No entanto, com o apoio jurídico obtido pela ADWA Cannabis e a assessoria dos órgãos de governança internos da UFV, existe o amparo jurídico para as atividades e, com o conhecimento do que realmente se trata o projeto – de que se trata de ciência – da sintonia com as informações do resto do mundo, as pessoas vão progressivamente se esclarecendo e a instituição continua sua trilha de pioneirismo e contribuição científica”, conclui o chefe do Departamento de Agronomia da UFV.