“Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades” (Constituição de 1988)
O deputado distrital Leandro Grass (PV/DF) acaba de apresentar o Projeto de Lei Distrital 2899/2022, que instituí o Marco Legal da Cannabis no âmbito de Brasília e suas Regiões Administrativas. O texto está ancorado nos termos do parágrafo 3º do artigo 24 da Constituição Federal que diz: “Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente”, afirma a Carta Magna.
Já o art. 24 da Constituição esclarece quais são as áreas temáticas sobre as quais a União, os Estados e o DF podem legislar concorrentemente. Dentre elas: direito econômico, produção e consumo, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, proteção e defesa da saúde, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação. Na justificativa do projeto, o argumento é de que muito embora a União seja responsável por legislar sobre normas gerais, isso não exclui a competência dos Estados e do DF para legislar de forma suplementar sobre um mesmo tema.
O autor da lei destaca que várias decisões judiciais apontam a omissão tanto do Poder Executivo Nacional, bem como do Congresso Nacional em regulamentar uma questão que diz respeito ao direito à saúde, também previsto na Constituição. De acordo com Decreto n. 5.912/06 – que regulamenta a Lei de Drogas (11.343/2006) – cabe ao Ministério da Saúde, autorizar o cultivo da Cannabis para fins médicos e pesquisas científicas. Entretanto, a pasta já se posicionou no sentido que de não vai regular o assunto. “Estados, Municípios e União podem legislar sobre saúde dentro, logicamente, do arcabouço que a Constituição determina nas normas federais”, explica Grass.
A principal tese que sustenta o PL Distrital está embasada na decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em abril de 2020, reconheceu a competência concorrente dos Estados, Distrito Federal, Municípios e União para estabelecer providências concretas no combate à Covid-19. “Foi o que o STF determinou no período mais agudo da pandemia, que os Estados e Municípios teriam a capacidade de definir suas normas e seus padrões de atendimento em saúde. E como a Cannabis é uma questão de saúde pública, isso também se enquadra nessa decisão da Suprema Corte”, interpreta o deputado Grass.
O texto inédito foi construído em parceria com presidente da Comissão da Cannabis Medicinal da OAB, Subseção do Paranoá e Itapoã, o advogado Rodrigo Mesquita. “A União é omissa no dever de regulamentar o cultivo de Cannabis para fins medicinais e científicos, como estabelecem a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 e a Lei de Drogas de 2006. Quem diz é Procuradoria-Geral da República e o Superior Tribunal de Justiça. Por se tratar de matéria de competência concorrente entre a União e os Estados, como estabelece a Constituição em seu art. 24, podem os Estados, diante dessa omissão, legislar plenamente. Portanto não há inconstitucionalidade nenhuma na lei. Ao contrário, ela prestigia a Constituição”, rebatendo às possíveis críticas de que o PL Distrital não teria competência para regulamentar uma matéria federal.
De acordo com Mesquita, o texto distrital se inspirou no PL 399/2015 aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados em junho do ano passado, que prevê o cultivo da Cannabis em solo brasileiros para fins médicos e industriais. A redação do PL Distrital afirma que enquanto não houver regulamentação pela União, ficam permitidos, mediante licença da Diretoria de Vigilância Sanitária do Distrito Federal (DIVISA/DF), o plantio, a cultura e a colheita de plantas do gênero Cannabis no Distrito Federal para fins medicinais e científicos, desde que feito por pessoa jurídica, para os fins determinados e de acordo com as regras previstas na legislação local aprovada.
A redação imputa à DIVISA/DF implementar um sistema de regulação que estabelece, inclusive, sanções que serão adequadas aos mais diversos tipos de infração. São elas: advertência, multa, obrigação de fazer ou de não fazer, interdição de instalações, suspensão temporária de participação em programas de parcerias com o poder público até a revogação de licença. A reportagem entrou em contato com a DIVISA/DF para saber se o órgão teria condições técnicas de cumprir o que prevê o Projeto de Lei, mas até o fechamento dessa edição não obteve resposta.
O deputado Leandro Grass também é autor da Lei Distrital nº 6.839/20 – que estabelece diretrizes para o incentivo à pesquisa científica com a Cannabis para fins medicinais na capital do país. A lei aprovada por unanimidade pela Câmara Legislativa do DF foi sancionada pelo governador Ibaneis Rocha em abril do ano passado, mas ainda carece de regulamentação pelo executivo local. “Acredito que da mesma forma que não encontramos resistência em relação à essa legislação, também não vamos encontrar resistência para esse PL. A Câmara Distrital do DF já está amadurecida. Estamos falando de ciência, pesquisa e direito à saúde. O PL não entra no arcabouço de outros temas relacionados à Cannabis como o uso recreativo ao adulto. O Marco legal tem uma série de restrições para que a gente tenha o devido cultivo, a devida forma de armazenamento, para que a gente não tenha, inclusive, riscos da área biológica, de ordem sanitária e direcione todo esse potencial para a área de saúde pública. O texto está construído para que não haja nenhum tipo de desvirtuando ao longo da cadeia produtiva”, conclui o parlamentar.
O que prevê o PL:
– Cultivo exclusivo por pessoa jurídica previamente licenciada pela Diretoria de Vigilância Sanitária do Distrito Federal – DIVISA/DF;
– Cota de produção com demanda pré-contratada ou finalidade pré-determinada;
– Rastreabilidade das plantas desde a aquisição da semente até o processamento final e o seu descarte;
– Uso de sementes certificadas;
– O cultivo, exclusivamente, em casa de vegetação;
– Produção completamente orgânica com certificação;
– Controle dos níveis de THC;
– Sistema de videomonitoramento;
– Plano de Segurança;
– Responsável técnico;
– O local de cultivo não poderá ser identificado com nome fantasia ou razão social que possa identificar as atividades desenvolvidas ali;
– O cultivo fica submetido à fiscalização dos órgãos sanitários distrital e federal (ANVISA e DIVISA/DF).