Por Manuela Borges
Ministro do STJ ratificou o direito da Abrace Esperança para cultivar e manipular Cannabis exclusivamente para fins medicinais aos pacientes associados.
Para o magistrado, a política pública adotada pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde é ineficaz e lacunosa, exigindo a intervenção do Judiciário em prol dos direitos à vida e à saúde.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, ratificou o direito de a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança –ABRACE – cultivar e manipular a planta exclusivamente para fins medicinais afim de atender aos pacientes associados. A decisão monocrática do ministro Herman vai de encontro aos julgamentos anteriores, de primeira e segunda instâncias, que garantiram à Associação o salvo conduto para o cultivo da Cannabis em solo brasileiro sem incorrer em crime.
A decisão do ministro derruba o Recurso Especial interposto pela Advocacia Geral da União (AGU) sob o argumento de que o Judiciário não tem prerrogativas para autorizar o plantio da Cannabis no país, e que autorizações nesse sentido ferem o princípio da separação dos poderes exposto no art. 2º da Constituição Federal. No voto, o magistrado contra argumentou a tese da União afirmando que o princípio da separação dos poderes foi concebido para “assegurar as garantias constitucionais e evitar abusos, mas não pode servir de obstáculo à concretização de um direito social essencial ao ser humano”, defendeu o relator.
Para embasar o relatório, o ministro citou o art.14, do Decreto 5912/2006 – que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD. O dispositivo diz que compete ao Ministério da Saúde “autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, ressalvadas as hipóteses de autorização legal ou regulamentar”. De acordo com o magistrado, é injustificável existir regulamentos que autorizam a importação de produto derivado da Cannabis por pessoa física e a fabricação, em território nacional, desses produtos – desde que com insumos importados –, mas não existir regulamentação sobre o plantio do vegetal em território nacional, para fins medicinais.
O ministro do STF ainda pontuou que a própria Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que proíbe o cultivo da Cannabis em solo brasileiro, abriu uma exceção quando esse plantio for destinado a fins terapêuticos, ficando o Estado responsável por adotar as medidas necessárias e adequadas para a fiscalização. “A despeito dessa vasta legislação, o Poder Público vem se omitindo na regulamentação do cultivo da Cannabis Sativa para fins medicinais, haja vista que a regulamentação até agora existente não abarca essa atividade. A Anvisa e a União Federal tentam fazer crer não se tratar de uma omissão de sua parte, nem de descumprimento das Convenções Internacionais, posto que vêm adotando as mais diversas providências para permitir o acesso a tais produtos pelos pacientes que deles necessitam. No entanto, é flagrante a omissão na regulamentação dos temas relacionados com os pedidos da presente ação (plantio e extração dos extratos da Cannabis para fins medicinais)”, relata o magistrado.
Para concluir, o ministro Benjamin classificou a política pública adotada pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde como ineficaz e lacunosa, fortalecendo o argumento de que a intervenção do Judiciário não se mostra ilegal e nem ilegítima, mas necessária para determinar a adoção de medidas efetivas em prol dos direitos à vida e à saúde. “O Judiciário, ao apreciar e decidir uma questão como a que ora se apresenta, não está interferindo no poder regulatório da Anvisa ou do Ministério da Saúde, mas apenas suprindo omissão que, caso persista, continuará a prejudicar um número incalculável de pessoas cujo único objetivo é reduzir seu sofrimento, ter uma melhor qualidade de vida e seu direito à saúde preservado”, defende Herman.
Diferentemente das primeiras ações que tramitaram em primeiro e segundo graus, desta vez, a Anvisa não recorreu juntamente com a União. Em ambas as decisões, a Abrace ficou submetida às regras da Resolução da Diretoria Colegiada RDC 16/2014 (Anvisa), que determina o controle da destinação do extrato que produz – mediante o cadastro de todos os beneficiados – com documento de identificação pessoal do paciente ou responsável, receituário atualizado e laudo médico. Cabe à Abrace submeter o seu plano de trabalho à Anvisa, nos termos previstos na RDC citada acima, a fim de obter a autorização especial, assim como se submeter a um permanente controle e periódica fiscalização em suas atividades. A sentença, na primeira instância, foi integralmente mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (Recife-PE) e reconhecida de forma monocrática no STJ.
De acordo com o advogado da Abrace, Yvson Vasconcelos, a União ainda pode recorrer. “A AGU pode embargar a decisão e pedir um julgamento colegiado, uma vez que a decisão foi monocrática. Mas nós estamos confiantes. A tese de que o Judiciário está invadindo a competência do Executivo ao autorizar o cultivo em solo brasileiro foi rechaçada desde o primeiro grau. Anvisa e União nunca legislaram, não houve invasão de competência entre os poderes, nunca houve normatização, é latente a omissão do poder público. Ainda existe um outro Recurso tramitando no Supremo Tribunal Federal, mas até agora o processo não foi distribuído para nenhum ministro”, explicou Vasconcelos.
A Abrace Esperança, situada em João Pessoa (PB), deu início à produção nacional em 2014 – naquela época ainda em desobediência civil. Hoje, a entidade reúne mais de 31 mil associados e emprega 180 colaboradores, gera mais empregos diretos do que qualquer outra empresa na Paraíba, segundo informou o diretor executivo e fundador da Abrace, Cassiano Gomes. “É mais uma vitória, já passamos pela primeira, segunda, terceira instância e agora temos pela frente o STF para a vitória final”, projeta Gomes.